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sábado, 16 de junho de 2012

Marina Colasanti - Breve e Mudo

"Estou de partida. Breve me mudarei para a curva do teu braço. Busco a terra sem vento, a mansa terra do teu peito. E a batida surda e quente do magma mais profundo para embalar o meu sono. Busco a tranqüilidade da enseada. Já conheci as águas que eu preciso saber. Fui bem além das colunas de Hércules, e há muito descobri que, por mais longe o mar, jamais despenco. Desbravei os mares, lancei-me por entre espumas. Naveguei seguindo as estrelas do céu, contando as estrelas do mar, até chegar a portos dos quais nem suspeitava a existência. Agora é tempo de lançar meus braços’a água, deixando que enlacem nos rochedos ancorando-me ao meu destino. Escolho o teu lado esquerdo , onde me beija o sol poente. E espero que tua mão direita amaine minhas velas. Assim, acima do teu coração, encosto a cabeça. E pequena como um grão, deito raízes. Aprenderei a conhecer-te através da planta dos meus pés, como o cego sabe onde pisa, como o índio que conhece a trilha. Se for mansa a maré das colinas, terei certeza de que dormes, ou pensas em silêncio. Se de repente meu solo se encrespar tangido por um vento só seu, será o frio que te toca. O medo, saberei no tremor subterrâneo. E quando o suor correr farto enchendo rios sem peixes, ameaçando me levar, será tempo de calor, será o verão cantando na tua pele. Aprenderei a tatear-te com as mãos, procurar meus caminhos nos vales dos músculos. Fluirei devagar, dormirei nas axilas. Não preciso de casa. Não preciso de abrigo. A terra de tua carne é quente, e nada me ameaça. Posso deitar-me nua, tranqüila, ou ficar acordada olhando para o alto. O céu é calmo, as nuvens passam indo a outros lugares. Nenhuma traz a chuva ou a tempestade. Não preciso de pente, não preciso de panos. O orvalho da tua pele me banha de manhã, e a tua respiração arruma os meus cabelos. Só quero um cavalo. Galoparei com ele as dunas do teu corpo, descerei pelos braços, avançarei pelas mãos, arriscando-me a queda nos penhascos dos seus dedos. Explorarei teu ventre, matarei minha sede no poço do teu umbigo. E armada de desejo, penetrarei na selva de teus pêlos, emaranhada e perfumada noite, delta dos sumos, labirinto que imperioso me chama e suave me perde. Só depois, percorridas as pernas, visitado os pés, voltarei corpo acima; ventre, peito, subindo em peregrinação até o pescoço, repousando no vale da omoplata. Talvez leve um cantil, para a dura escalada do teu queixo. Subirei com cuidado, procurando a caverna das orelhas para repouso e abrigo. Barulho não farei, prometo. Nada que te perturbe. Talvez no dia seguinte, ou mais ainda, passando-se outro dia na difícil subida, eu procure chegar até os teus olhos. Se estiverem fechados, sentarei com paciência esperando o milagre da íris descoberta, o nascer dos olhos que se renova a cada despertar, o astro de luz surgindo sob o horizonte da pálpebra . Se estiverem abertos, sentarei a beira deste lago, fonte, olho d’água, encantada com a dança dos reflexos ilusórios, peixes deslizando suas sombras sobre um fundo sem algas. E haverá um momento em que vencendo o medo, mergulharei na transparência para nadar em direção ao redemoinho negro da pupila. A aresta do nariz é perigosa. Eu bem conheço sua linha sinuosa, sua falsa maciez sobre o duro arcabouço. Não convém que a acompanhe. Seguirei pelo lado, encostando-me às ventas, esgueirando-me para não ser tragada. Não tentarei desvendar o mistério do sopro. À boca chegarei com respeito. Irei pelo canto, para descer ao lábio inferior, o mais carnudo. Avançarei deitada, rastejando de leve na pele úmida, até chegar à borda. E me debruçarei sobre suas palavras… Breve me mudo para a curva do teu braço. Não saberei mais de você do que já sei. Nem você saberá mais de mim. Mas talvez assim tão perto, encostada na raiz do teu ser, eu possa me esquecer de onde começo, e me esquecer em ti na minha entrega…."

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