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domingo, 11 de julho de 2010

Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres...


“Sentou-se para descansar e, em breve, fazia de conta que ela era uma mulher azul. Porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos. Faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate...
Precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, não "Glória",mas seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir...
Faz de conta de que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia o bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, pois ela era lunar. Faz de conta que se ela fechasse os olhos seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era um faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades..."
(Clarice Lispector)